Acidose e os impactos na produção de leite

Acidose e os impactos na produção de leite

As vacas leiteiras, principalmente de alta produção, em sistemas de manejo intensivos, são continuamente desafiadas a produzir mais para trazer retornos financeiros. Do ponto de vista nutricional e alimentar, isso não é possível sem pensar em duas situações: aumento da densidade nutricional e /ou aumento da ingestão de alimentos (matéria seca). A alimentação à base de concentrados e o alto uso de grãos estão sendo utilizados para se obter o máximo de produção em menor tempo possível.

Todas as ferramentas utilizadas para aumento da produção (como, por exemplo, conforto, aumento no número de ordenhas, entre outros), em geral, resultam em aumento no consumo de matéria seca, uma vez que a vaca “come porque ela produz leite”. Portanto, manter um equilíbrio nutricional nesses animais pode ajudar a prevenir alguns distúrbios metabólicos, como: cetose, balanço energético negativo, acidose.

O pH do conteúdo ruminal é levemente ácido (6,0 a 6,7), ideal para um equilíbrio entre os microrganismos e para que ocorram os processos de digestão dos alimentos e absorção dos nutrientes. Embora o pH ruminal varie consideravelmente em um dia, as vacas possuem um sistema altamente desenvolvido para manter o pH ruminal dentro de uma faixa fisiológica. Entretanto, se a produção de ácido da fermentação for maior do que o sistema, pode tamponar e o pH ruminal pode cair drasticamente. Com a pressão do mercado por mais leite, os produtores aumentam excessivamente a quantidade de concentrado, podendo resultar em acidose. Na pecuária intensiva de leite, esse é um problema praticamente inevitável, principalmente pelo fato de que a alimentação é feita em grupo e por haver grande variabilidade individual entre os animais.

A acidose ruminal é uma doença metabólica grave, porém comum em vacas leiteiras e, geralmente, está associada à ingestão de grandes quantidades de alimentos ricos em carboidratos e de fácil fermentação no rúmen, produzindo grandes quantidades de ácidos, que promovem redução do pH ruminal, levando à predominância das bactérias produtoras de ácido lático que baixam ainda mais o pH (Ogilvie, 2000).

A acidose ruminal pode se manifestar de diversas formas: conforme a composição, tamanho da partícula e a quantidade ingerida de grãos pelo animal e sua prévia adaptação alimentar, ocorrendo principalmente nas formas aguda e subaguda (também conhecida como SARA – Subacute Ruminal Acidosis). Na acidose aguda a depressão do pH é mais grave (pH<5,0), associada ao acúmulo de ácido lático no rúmen, com sinais clínicos mais evidentes, que aparecem logo nas primeiras horas após a ingestão de carboidratos. Entre os sintomas estão: perda de apetite, diarreia e desidratação severas, infecção fúngica, apatia, anorexia, depressão, incoordenação e sequelas neurológicas, sendo necessária a intervenção clínica ou cirúrgica dependendo da gravidade, pois o animal pode entrar em óbito (Kleen et al 2013).

Já a acidose subaguda (SARA) é caracterizada por episódios mais brandos, com quedas repetidas do pH ruminal, aparentemente devido ao acúmulo total de ácidos graxos voláteis e não ao ácido lático (Krause e Oetzel, 2006), sendo suficiente para causar grandes prejuízos na produção de leite. A definição é baseada em um período de tempo em que o pH fica abaixo de um certo limite. Alguns autores consideram o tempo de 5,24 horas com pH abaixo de 5,8 (Zebeli et al. 2008), outros consideram período de 3 horas com pH abaixo de 5,6 (Plaizier et al. 2008). Por ter aparecimento silencioso, muitas vezes, os produtores apenas percebem sua ocorrência devido às perdas financeiras geradas pelas consequências da doença, que incluem: queda na produção, depressão na gordura do leite, abcessos hepáticos, lesões no tecido epitelial do rúmen e nos dígitos, laminites, alteração no sistema imune, afetando a sanidade e a reprodução, entre outros. A redução no consumo de matéria seca, os movimentos rumais diminuídos e diarreia, também estão entre os sinais da acidose. Como as manifestações da SARA no rebanho são mais sutis, os animais podem apresentar, repetidamente, esses quadros clínicos. O aparecimento de animais com acidose aguda no rebanho é indicativo que a doença pode estar acometendo outros animais, porém na forma subaguda, com sinais menos intensos.

Imagem: Educapoint

 

Em geral, a acidose ocorre quando a quantidade de ácidos graxos voláteis não absorvidos pelas papilas do rúmen se sobrepõe ao tamponamento ruminal. Isso pode acontecer devido a alguns fatores:

Grande consumo de carboidratos altamente fermentáveis, com consequente produção excessiva de ácidos. Principalmente quando a vaca não está adaptada a uma dieta rica em amido, pode ocorrer desequilíbrio entre as populações de bactérias celulolíticas e amilolíticas, alterando a microbiota ruminal e aumentando a população de Streptococcus bovis que fermenta os açucares e causa aumento do ácido láctico, diminuindo ainda mais o pH do rúmen, matando grande parte das bactérias responsáveis pela digestão das fibras (Bevans et al., 2005). Um exemplo disso ocorre quando as vacas passam da dieta de vaca seca, (rica em volumoso) para a dieta de pós-parto (rica em concentrado), sem prévia adaptação. Alimentação de diferentes categorias simultaneamente gera competição, o que induz o consumo excessivo. Também podem ocorrer erros no cálculo ou manejo das rações, ocasionando maior consumo de concentrado;

Falta de fibra longa. Partículas com mais de 8 mm estimulam a mastigação e, consequentemente, a produção de saliva. Esta, por ter alta quantidade de bicarbonato de sódio e pH em torno de 8,2, tem potente efeito tampão no rúmen. Quando o consumo de concentrado é alto, torna-se importante a presença de um feno, por exemplo. É comum, em certas épocas do ano, o aumento no uso de casquinha de soja e/ou polpa cítrica, para substituir exclusivamente pastagens ruins, ou mesmo silagem escassa, ocasionando a falta de fibra longa. Alguns vagões, com suas facas internas, também podem picar demais os volumosos;

Fibra longa com tamanho inadequado. Não só os níveis de fibra na dieta são importantes, mas também sua forma física, ou seja, partículas muito grandes são selecionadas pelos animais, que acabam consumindo maior quantidade de concentrado.

A prevalência de SARA foi demonstrada em diversas regiões do mundo, por meio de vários estudos, tanto em níveis de rebanho leiteiro quanto em número de vacas. Em rebanhos, variou de 25 a 33% (O’Grady et al., 2008, Morgante et al., 2007) e; com relação ao número de vacas, variou de 13,8% a 27,4% (Kleen et al., 2009, Tajik et al., 2009).

Infelizmente é uma das doenças mais difíceis de diagnosticar, pois os sinais clínicos não são típicos da acidose, podendo estar associados a outras enfermidades. O diagnóstico da SARA, normalmente, é realizado em nível de rebanho e embora possa acometer até 50% dos animais de uma mesma propriedade, seus sinais clínicos inespecíficos e muitas vezes tardios, dificultam o seu reconhecimento (Kleen et al., 2013). Os sinais clínicos dependem tanto da gravidade do caso no animal como do tempo de início do desequilíbrio até o exame. Associar alguns fatores de risco que podem contribuir com o surgimento da acidose, auxiliam no diagnóstico, como por exemplo: vacas em período pós-parto e vacas primíparas (ambas as categorias pelo aumento repentino no consumo de concentrado em suas transições), animais em estresse calórico (aumentam a frequência respiratória, eliminando CO2 que é compensado pela secreção de bicarbonato pelos rins, resultando em menor bicarbonato usado via saliva para tamponar o rúmen. Além disso, vacas em estresse térmico ruminam menos, portanto há menor produção de saliva e menor tamponamento ruminal, além de “babarem” mais nessa época).

Os métodos mais indicados para o diagnóstico da acidose aguda são: análise do conteúdo ruminal, atividade dos protozoários, hemograma e avaliação do pH, caso haja necessidade, já que os sinais clínicos são mais evidentes. No caso da acidose subaguda, deve ser feita a investigação da dieta e do manejo alimentar (histórico de alto consumo de carboidratos ou alteração súbita de dieta), análise do conteúdo ruminal, prevalência de casos estabelecidos nos animais, associando indigestão tóxica com problemas de casco ou abscesso hepáticos (Vechiato, 2009). A redução do consumo é o primeiro sinal em um rebanho, entretanto, pode ser difícil detectar uma vaca acometida em uma situação de alimentação em grupo. Portanto, a observação na hora da alimentação é importante, e deve estar associada à redução da ruminação e queda em produção. Uma outra opção para um possível diagnóstico seria associar alguns sinais clínicos da acidose à inversão na relação de gordura e proteína (o excesso de carboidratos e queda no pH ruminal promovem bioidrogenação incompleta de ácidos graxos insaturados, resultando na passagem de subprodutos intermediários para o intestino, os quais causam redução na síntese de gordura pela glândula mamária).

Como foi citado anteriormente a mensuração do pH ruminal pode ajudar no diagnóstico da acidose, porém não é simples de ser realizada no dia a dia a campo. Desse modo Zschiesche et al. (2020) avaliaram a associação entre a relação gordura / proteína do leite e os parâmetros de pH ruminal (pH médio diário, tempo diário com pH <5,8 e faixa de pH) em uma meta análise, incluindo 47 estudos com 189 tipos de tratamento. Além disso, foi testado, através de modelos estatísticos, até que ponto a predição poderia ser melhorada pela inclusão de indicadores adicionais (produção de leite, tempo de ruminação, teor de amido na dieta e fibra fisicamente efetiva). Associações significativas entre leite, relação gordura / proteína do leite e parâmetros de pH ruminal foram encontrados. A inclusão de mais indicadores na fazenda melhorou a previsão do pH ruminal médio diário até R2 = 0,46 e tempo com pH <5,8 até R2 = 0,58. Parte considerável da variabilidade foi explicada pela diversidade de condições presentes nas fazendas experimentais.

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Pelo fato de ser uma doença nutricional e acometer grande parte dos rebanhos, o tratamento torna-se difícil, portanto, o ponto-chave é a sua prevenção. Os animais devem ser monitorados com frequência para facilitar o seu reconhecimento precoce e limitar as perdas. Algumas medidas preventivas que podem ser tomadas:

– Evitar mudanças abruptas nas dietas;
– Adaptação dos animais que receberão dietas ricas em concentrados;
– Substituição parcial dos carboidratos altamente fermentáveis por ingredientes alternativos como, por exemplo, polpa cítrica e casca de soja.
– Bom manejo alimentar (balanceamento das dietas em termos de quantidade e degradabilidade de carboidratos, quantidades dos ingredientes nas batidas das rações ou dietas, qualidade da mistura – em torno de 3 a 5 minutos; mistura excessiva pode reduzir tamanho de partículas da dieta);
– Fornecimento de fibra longa em quantidade e tamanho adequado para que não haja seleção;
– Monitorar MS (matéria seca) dos volumosos, pois pode alterar a relação volumoso:concentrado e ajustar as dietas regularmente;
– Não fornecer concentrado separado dos volumosos;
– Fornecer a dieta mais de uma vez ao dia para estimular refeições menores e evitar flutuações do pH ruminal;
– Não atrasar os fornecimentos da dieta, para evitar que as vacas se alimentem excessivamente, para compensar o período em jejum;
– Proporcionar espaçamento de cocho adequado (pelo menos 60 cm por vaca) para evitar competição e consumo de grandes refeições;
– Fazer uso de tamponantes;
– Uso de aditivos, como: leveduras e ionóforos.

Um possível protocolo de tratamento seria corrigir a acidose sistêmica e ruminal, por meio da administração oral de óxido de magnésio, bicarbonato de sódio ou hidróxido de magnésio (Ogilvie, 2000), e restabelecer a motilidade ruminal através de fornecimento de fibra longa.

A acidose ruminal é uma das doenças nutricionais mais importantes nos rebanhos leiteiros, com impacto negativo no mercado de laticínios, diminuindo a produção de leite, a eficiência produtiva, a lucratividade e aumentando a taxa de descarte, principalmente por predispor os animais a doenças secundárias.  Essas ocorrências podem ser reduzidas nas fazendas, desde que haja boas práticas de manejo e monitoramento constante dos animais.

 

Fonte: Nutrição Animal - Agroceres Multimix