Quanto a mastite clínica afeta o desempenho reprodutivo de vacas leiteiras?

Quanto a mastite clínica afeta o desempenho reprodutivo de vacas leiteiras?

A despeito de esforços e estratégias adotadas para o controle e tratamento da mastite bovina, esta doença ainda é a que acarreta os maiores prejuízos na atividade leiteira. Além dos prejuízos diretos para o produtor de leite, pela diminuição da produtividade do rebanho e aumento dos custos de produção, a indústria leiteira e o consumidor final também são afetados. Nos casos clínicos da mastite, as perdas são percebidas com maior facilidade, uma vez que é facilmente mensurado o descarte de leite e os custos do tratamento das vacas doentes. Por outro lado, estimar as perdas associadas à mastite subclínica é uma tarefa mais complexa, pois a maior perda se dá pela diminuição da produção de leite, mas não é facilmente percebida.

De forma similar, a eficiência reprodutiva dos rebanhos é um dos fatores que impactam diretamente a lucratividade da atividade leiteira e está fortemente associada com o estado de saúde das vacas. Algumas pesquisas anteriores já comprovaram o efeito negativo da mastite clínica e subclínica sobre a eficiência reprodutiva. A mastite clínica já foi anteriormente associada com a diminuição da taxa de concepção, aumento do período entre o parto e a primeira inseminação, aumento dos dias em aberto (que vaca não está prenhe) e aumento das perdas gestacionais. Por outro lado, quando as vacas são diagnosticadas com mastite subclínica após uma inseminação artificial (IA), observou-se menores taxas de concepção.

Embora os estudos anteriores terem avaliado o efeito do tipo de mastite, pouco se sabe sobre os impactos negativos de acordo com os patógenos causadores de mastite sobre a reprodução. Para responder esta pergunta, foi realizada uma pesquisa recente no Brasil com o objetivo de investigar os efeitos dos diferentes patógenos causadores de mastite clínica sobre variáveis reprodutivas após a inseminação artificial (IA) em vacas leiteiras. O estudo foi realizado em 5 rebanhos com CCS abaixo de 400.000 cels/mL em 833 vacas, durante 24 meses de monitoramento. Foram coletadas amostras de leite nas vacas que apresentaram mastite clínica durante o período entre o parto e o primeiro diagnóstico de gestação.

De acordo com a patogenicidade do agente isolado na cultura microbiológica, as vacas foram agrupadas em:

1. Controle, sem nenhum caso clínico no período

2. Patógenos maiores (Staphylococcus aureusStreptococcus agalactiaeEscherichia coliKlebsiella spp. Mycoplasma spp. e Streptococcus ambientais)

3. Patógenos menores (Staphylococcus coagulase negativa - SCN e Corynebacterium spp.)

Além disso, os agentes causadores foram classificados de acordo com a coloração de Gram, como Gram positivas (S. aureus, SCN, S. agalactiaeS. uberis ou S. dysgalactiae) ou Gram negativas (E. coli ou Klebsiella spp.). Os dados reprodutivos incluídos no estudo foram prenhez na primeira IA, perdas gestacionais (dos 30 aos 60 dias de gestação) e dias em aberto.

Os resultados desta pesquisa indicaram que a taxa de prenhez na primeira IA foi maior nas vacas sadias (32,6%), em comparação com as vacas com mastite causada pelos patógenos maiores (20,1%) e menores (26,2%). De forma similar, a taxa de prenhez foi maior nas vacas sadias (32,6%) em comparação com as vacas com mastite por Gram negativas (15,4%). As perdas gestacionais foram maiores nas vacas com patógenos maiores (22,2%) em comparação com o as vacas sadias (12,8%) e as com mastite causada por SCN ou Corynebacterium spp. (16,7%). Quando foi avaliada os agentes causadores de acordo com a coloração de Gram, as vacas com mastite por Gram-negativas (30,1%) apresentaram maiores perdas que as sadias (12,8%) (Figura 1).

Figura 1. Porcentagem das desordens reprodutivas de acordo com o tipo de patógeno   causador de mastite clínica (G+: Gram-positiva; G-: Gram-negativa)

 

 

Fonte: Adaptado de Dalanezi et al., 2020

As vacas sadias permaneceram menos dias em aberto (129,5), em comparação às demais (maiores: 175,1 e menores: 162), principalmente quando comparado com as vacas com mastite por bactérias Gram negativas (191,1). Em termos gerais, as vacas com mastite causada por bactérias mais patogênicas (patógenos maiores) tiveram desempenho reprodutivo pior em comparação com os demais grupos. Da mesma forma, as vacas que foram diagnosticadas com bactérias Gram-negativas apresentaram os piores índices de desempenho reprodutivo em comparação com as vacas com mastite por bactérias Gram positivas.

Figura 2 – Curva de sobrevivência da proporção de vacas vazias (0 a 300 dias em lactação, de acordo com o tipo de patógeno causador (letras A, B C indicam que as curvas são diferentes estatisticamente (P<0,05).

 

 

Fonte: Adaptado de Dalanezi et al., 2020

Os resultados deste estudo sugerem que os patógenos que causaram quadro leve ou moderado de mastite clínica tiveram menor impacto sobre a perda gestacional nas vacas prenhes. Entretanto, as vacas com mastite por bactérias Gram-negativas apresentaram maiores perdas gestacionais, o que pode estar ligado à liberação de componentes bacterianos na corrente sanguínea que podem levar ao rompimento do corpo lúteo (responsável pela manutenção da gestação) ou diretamente à morte do embrião. A presença desses compostos, principalmente dos lipopolissacarídeos (LPS), encontrados nas bactérias Gram-negativas, também podem explicar o aumento dos dias em aberto. Os LPS podem causar distúrbios nos tecidos reprodutivos, interferindo no desenvolvimento dos embriões e na produção de hormônios foliculares, o que resulta em diminuição da fertilidade das vacas. Desta forma, os resultados deste estudo reforçam a necessidade do correto diagnóstico da mastite clínica para definição de estratégias de controle e tratamento adequadas, o que pode reduzir prejuízos da mastite sobre a eficiência reprodutiva.

Fonte: Dalanezi et al., Journal of Dairy Science, 2020, via MilkPoint