Por que a mussarela não

Por que a mussarela não "desfia" mais como antigamente?

Esse post é uma resposta para alguns leitores que têm saudades de desfiar a mussarela e comer as fitas formadas com café bem quentinho. Inconformados, eles questionam por que não conseguem mais encontrar queijos com essa característica. Para escrever sobre isso, consultei o Múcio Mansur Furtado, um dos maiores especialistas do Brasil, PhD e autor de vários livros sobre tecnologia de fabricação de queijos, entre eles, um específico sobre o tema: ‘Mussarela: fabricação e funcionalidade’.

Para começar essa história, um título alternativo para esse post poderia ser: “A evolução de um queijo motivada por exigências do mercado”.

Nossos leitores estão certos, até pouco tempo atrás a mussarela de leite de vaca tinha características bem diversas das que encontramos atualmente nas peças do supermercado. Hoje as maiores exigências do mercado brasileiro para esse queijo são a facilidade de ser fatiado e de derreter bem para, principalmente, atender à demanda de um dos seus maiores consumidores, as pizzarias.

Os laticínios fizeram as adequações tecnológicas. Lembro-me de que quando ainda trabalhava em uma fábrica de queijos e recebíamos o recado: “Os supermercados estão reclamando que a mussarela não está fatiando!”. E lá íamos nós, os técnicos, agarrar-nos à apostila do Múcio na expectativa de corrigir o ‘problema’.
 

Basicamente alterou-se o tipo de fermento, o teor de gordura e o de sal. Outra diferença na mussarela tradicional é o uso de leite cru, que resulta em um produto mais mineralizado, ou seja, que possui um maior teor de cálcio solúvel. Múcio ensina que desfiar é característica da mussarela, mesmo após todas as mudanças tecnológicas, só que agora isso só acontece quando está muito fresca, com até 1 semana de fabricação. Difícil encontrar queijos assim nos supermercados. 

Eu mesma tive muita dificuldade para achar uma mussarela de leite de vaca que desfiasse para fazer as fotos para o post, acabei apelando para o formato nozinho, que mantém essa característica por mais tempo por ser menor e ter mais sal no seu interior, segundo as explicações do nosso mestre.

Consumir o queijo no formato nozinho pode ser uma alternativa para os saudosos da mussarela que desfia. Encontrar a mussarela fabricada com leite cru é mais difícil e um pouco arriscado. Outra opção é apelar para a variedade de búfala, que devido à composição do leite mantém essa característica por mais tempo. No entanto o sabor é bem diferente.

Quem sabe, ainda teremos no Brasil uma maior diferenciação desse queijo a exemplo do que acontece na Itália, país de origem da mussarela. Lá ela pode ser consumida super fresca ou mais seca. Há uma distinção entre o queijo de mesa- variedade mais fresca fabricada com leite de búfala ou leite de vaca (fiore di latte), e o queijo para uso culinário. Acredito que nosso mercado está pronto para isso.

Para saber mais

Transcrevo abaixo a íntegra das respostas do Múcio para as perguntas que fiz para aqueles que quiserem aprender um pouco mais. Pedi a ele que usasse uma linguagem menos técnica para o blog, ao que ele atendeu didaticamente, já que a arte e o dom de ensinar estão no DNA desse sensível queijeiro.

Por que a mussarela não desfia mais como antigamente?

"A mussarela vai desfiar sempre que for consumida ainda "jovem", com apenas poucos dias de fabricada. Essa característica se refere às fibras que se formam, alongadas e paralelas, durante o processo de filagem da massa, em água quente, ainda na fábrica. Com o tempo, e pouco a pouco, o coalho e os fermentos, vão degradando a proteína (caseína) e a mussarela se torna mais macia e homogênea, e perde sua textura fibrosa, deixa de "desfiar". É algo normal e esperado neste queijo. Trata-se de uma questão de tempo, de quando a mussarela é consumida. Para que ela desfie, é melhor não comprar queijos com mais de uma semana de fabricação". 

As mudanças na tecnologia para a fabricação do pizza cheese foram adotadas por todas as queijarias? Por quê?

"A maior parte das fabricas incorporou as mudanças de processo que se exige para elaborar uma mussarela para pizza, como um queijo elaborado com leite pasteurizado, mais magro, mais firme e menos salgado. Muito disso tem a ver com a necessidade de se fatiar esse queijo, uma tradição brasileira, que existe em poucos países. Em geral, essa mussarela na maioria dos países, é ralada ou moída".
 

Como as pessoas que querem um queijo similar ao tradicional devem escolher a mussarela?

"Essas pessoas não terão muita chance de achar uma mussarela que elas considerem 'tradicional' pois o produto que está no mercado, é em absoluta maioria, fabricado por processos mais modernos, e quase sempre com leite pasteurizado. Possivelmente essa mussarela "tradicional" seria feita com leite cru e integral, o que lhe conferiria características marcantes. No entanto, pela legislaçao atual, já não se pode mais fabricar mussarela assim".

 

A forma como a mussarela é moldada interfere de alguma maneira no processo de 'desfiar'? Se sim, por quê?

"Não interfere não. Não tem nada a ver com formatos e sim com a degradação da proteína, da caseína que vai sendo solubilizada aos poucos e para de “desfiar”. Isso acontece em qualquer formato".

 

A mussarela filada manualmente 'desfia' mais?

"Não deveria não. O que muda é a maneira de desfiar, apenas isso. Por exemplo, o queijo cabacinha, por ser todo enovelado, arredondado, as fibras são mais entrelaçadas e por isso o desfiar se faz diferente. Mas não é que vá desfiar mais ou menos. O que vai mudar é durante quanto tempo se desfia. Um queijo menor, por ter mais sal no centro já desde o começo da cura, faz com que o desfiar se prolongue mais do que num queijo grande. Mais um dia vai acabar também".

Nota da blogueira: mussarela, muçarela ou mozarela?

 

Segundo o VOLP só existe na língua portuguesa as grafias muçarela ou mozarela, outras grafias estão fora da norma culta. No entanto, eu não consigo escrever de outra forma senão mussarela: é o que está na legislação e como está nos livros de tecnologia.

O pessoal da Academia Brasileira de Letras tirou esse cedilha de uma regra que diz que as palavras de origem italiana escritas com z ganham ç quando vêm para o português. Mas o vocabulário é dinâmico, vivo, as palavras não nascem no dicionário, por isso, como manifesto continuo escrevendo com dois “s”! 

 

Fonte: http://www.milkpoint.com.br/